Tchizé dos Santos, filha do antigo presidente angolano José Eduardo dos Santos, vai recorrer da decisão do tribunal espanhol que atribui a custódia do cadáver à sua ex-mulher Ana Paula dos Santos, revelou a sua advogada, Carmen Varela.
“A decisão do juiz de instrução número 11 de Barcelona de entregar o corpo do antigo presidente angolano José Eduardo dos Santos à sua antiga mulher será sujeita a recurso por Tchizé dos Santos”, disse a advogada Carmen Varela, explicando que o argumento tem a ver com a competência do tribunal.
“Vamos interpor recurso por entendermos que a jurisdição penal não é competente para deliberar sobre este assunto, que deve ser a jurisdição civil a pronunciar-se sobre ele”, argumenta a jurista, lembrando que “actualmente existe um processo em curso no tribunal civil sobre esta questão”.
José Eduardo dos Santos, que governou Angola de 1979 a 2017, morreu, no dia 8 de Julho, com 79 anos, em Barcelona, Espanha, onde passou a maior parte do tempo nos últimos cinco anos.
Duas facções da família Eduardo dos Santos disputam, na Vara de Família do Tribunal Civil da Catalunha, quem ficará com a guarda do corpo de José Eduardo dos Santos.
De um lado, está Tchizé dos Santos e os irmãos mais velhos, que se opõem à entrega dos restos mortais à ex-primeira-dama e são contra a realização de um funeral de Estado antes das eleições de 24 de Agosto para evitar aproveitamentos políticos.
Do outro, está a formalmente viúva Ana Paula dos Santos e os seus três filhos em comum com José Eduardo dos Santos, que reivindicam também o corpo e querem que este seja enterrado em Angola nos próximos tempos.
Recorde-se que o presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, aconselhou o Governo do MPLA a tirar do plano público a “má imagem de conflitualidade” devido às divergências sobre o funeral de José Eduardo dos Santos, que são consequência da perseguição que moveu contra o ex-presidente de Angola.
Adalberto da Costa Júnior disse que, enquanto presidente da UNITA, desde o início chamou a atenção para as “perseguições e protecções”, numa alusão à suposta perseguição da família de Eduardo dos Santos pela justiça em Angola.
“No meu primeiro discurso público chamei a atenção para os riscos da perseguição ao ex-presidente da República, indicando que esta postura não traria resultados positivos para o país e nem para ele próprio [João Lourenço, Presidente da República, do MPLA, recandidato, e Titular do Poder Executivo, no poder há 46 anos]”, afirmou.
Esta posição, continuou Adalberto da Costa Júnior, mereceu-lhe acusações de “ter sido comprado pela Isabel [dos Santos]”, empresária e filha mais velha sobre a qual recaem processos judiciais em vários países.
“E é assim que a imaturidade de quem governa se tem manifestado. Não ouvem os bons conselhos e o que hoje o Governo está a colher são as consequências de uma atitude de perseguição”, frisou Adalberto da Costa Júnior.
O líder da UNITA lembrou ainda que quando o ex-presidente se deslocou a Angola, no final do ano passado, foi recebido de forma discreta e sem qualquer cobertura noticiosa por parte da imprensa pública que, aliás, disse que a presença de José Eduardo dos Santos no país “não era notícia”.
“Mereceu absoluta ignorância, total, absoluto maltrato. Hoje está-se a chorar no molhado, com a imprudência de estar a gerir mal este dossiê, enviando para Espanha uma equipa para negociar perdões, para negociar aquilo que vem deitar por terra o que se fez de bandeira, que é o combate à corrupção”, criticou Adalberto da Costa Júnior.
Questionado sobre a sua ausência no velório público sem corpo que decorreu no Memorial Dr. António Agostinho Neto, com um momento consagrado aos partidos, Adalberto da Costa Júnior criticou os serviços do cerimonial de Estado pela falta de aviso formal e atempado, apelando a que “tratem dos actos de Estado com mais dignidade”.
Por outro lado, descreveu as homenagens que decorreram em Angola como um acto de campanha eleitoral: “Então o Estado organiza uma cerimónia de exéquias e tem lá a figura do candidato do MPLA em grande exposição? Eu acho inadmissível este tipo de falta de respeito. Foi uma cerimónia de propaganda do candidato do MPLA ou foi uma homenagem ao ex-presidente da República?”, criticou, referindo-se à presença de fotos de João Lourenço e da bandeira do MPLA.
“Afinal a bandeira do país é a bandeira do MPLA e os líderes que foram lá chamados foram prestar um acto de campanha eleitoral do MPLA”, denunciou o líder da UNITA, justificando assim a sua ausência.
“Não pode ser assim, o ex-presidente merece as honras e as homenagens, nós achamos que devemos prestá-las, mas não em actos de campanha eleitoral mal preparados”, reforçou. Adalberto da Costa Júnior.
Recorde-se (em abono da verdade) que o Presidente João Lourenço, admitiu no dia 22 de Novembro de 2018, em Lisboa, que já sentia “as picadelas” dos afectados pelo combate à corrupção, mas garantiu que “isso não nos vai matar” e vincou que “somos milhões e contra milhões ninguém combate”.
[Enquanto vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa dormia na ignorância? Pelos vistos, sim. Acordou quando chegou a Presidente da República…]
“Quando nos propusemos a combater a corrupção em Angola, tínhamos noção de que precisávamos de ter muita coragem, sabíamos que estávamos a mexer no ninho do marimbondo, que é a designação, numa das nossas línguas nacionais, do terminal da vespa”, disse João Lourenço, respondendo a uma pergunta, no Palácio de Belém, em Lisboa, sobre se a questão do repatriamento de capitais – ilicitamente transferidos para o exterior – não se assemelha a `brincar com o fogo`.
“Tínhamos noção de que estávamos a mexer no marimbondo e que podíamos ser picados, já começámos a sentir as picadelas, mas isso não nos vai matar, não é por isso que vamos recuar, é preciso destruir o ninho do marimbondo”, vincou o governante, depois de se ter escusado a comentar as críticas do antigo Presidente e seu mentor político e partidário, José Eduardo dos Santos, e da empresária Isabel dos Santos. Os marimbondos continuam. Só mudaram de lado. Entretanto, João Lourenço conseguiu “matar” o marimbondo-chefe e, agora, até promete “imunidade” temporária às rebeldes e, quiçá, arruaceiras filhas do marimbondo-chefe.
É certo que enquanto vice-presidente do MPLA e, entre muitos outros cargos de relevo, ministro da Defesa, João Lourenço comandava o exército de marimbondos e não deixava que ninguém se aproximasse do chefe. Mas, como tudo na vida, mudam-se os tempos, mudam-se os interesses. Daí a “matar” o seu criador foi um passo. Passo corajoso? Nem por isso. Até porque apunhalar pelas costas é a mais completa prova de cobardia.
Na resposta à questão sobre a tentativa de repatriar os capitais ilegalmente retirados de Angola, João Lourenço afirmou: “Quantos marimbondos existem nesse ninho, não são muitos, devo dizer; Angola tem 28 milhões de pessoas, mas não há 28 milhões de corruptos, o número é bastante reduzido e há uma expressão na política angolana que diz que `somos milhões e contra milhões ninguém combate`”.
Tentando mostrar que tinha o povo ao seu lado na luta contra a corrupção, João Lourenço terminou a resposta dizendo: “Ninguém pense que, por muitos recursos que tenha, de todo o tipo, consegue enfrentar os milhões que somos, portanto não temos medo de brincar com o fogo, vamos continuar a brincar com ele, com a noção de que vamos mantê-lo sempre sob controlo”.
A expressão “brincar com o fogo” foi colocada pelo jornalista português que fez a pergunta sobre as consequências do repatriamento de capitais, mas foi largamente aproveitada por João Lourenço, que iniciou a resposta dizendo: “Se estamos a brincar com o fogo, temos noção das consequências desta brincadeira; o fogo queima, importante é mantê-lo sob controlo, não deixar que ele se alastre e acabe por se transformar num grande incêndio”.
E se em 2017, mesmo antes de serem conhecidos os resultados oficiais das eleições, Marcelo Rebelo de Sousa felicitou João Lourenço pela vitória, este ano, segundo revelou o próprio candidato do MPLA, o Presidente português já lhe disse para não se cansar muito porque o MPLA já tinha ganho…
Folha 8 com Lusa